sexta-feira, 17 de julho de 2009

Meu ócio/Liliane Reis

Todo mundo precisa de um vício. Eu tenho um incorrigível: viajar. Esse verbo é meu vício, meu esporte, minha paixão, meu trabalho. Desde pequena, meu padrinho Eibert me apresentou a estrada e dele herdei o gosto pela liberdade de seguir, seguir, importando mais o ir do que o chegar. Lembro bem que, quando devia ter bem menos que dez anos, ele me colocava na sua carona e em cada parada fazia uma brincadeira. Em uma dessas, ele foi a “vítima”. Perguntou como estava a estrada pro Jorro: “A estrada tá um tapete”, ouviu. A ironia quase deixa a gente no meio do caminho.

Na adolescência, na fase do descolamento da família, parti pro movimento estudantil e lá ia eu montar grêmio por aí. Conheci Salvador pegando ônibus errado. Para o congressos da Ubes ou Une viajava só com passagem de ida. Na universidade, foram os encontros acadêmicos que me levaram pra dançar reggae no Maranhão. Já no jornal, chorava no pé do caboclo dos editores - Isabela, Luis e Demóstenes - pra enviar a matéria por e-mail. Não sei como, mas sempre dava certo.

Quando pintou um curso em Berlim, aceitei sem perguntar e, mais uma vez, não pensei nem uma vez. Depois de seguir pra Nova Iorque, numa viagem-prêmio por uma reportagem acertada, voltei ao Brasil comemorando a posse de Lula. Remei pra Brasília, certa de que, precisava empossar o “homi”. Entre a paisagem do cerrado e a Chapada dos Veadeiros, o coração me colocou na ponte-aérea por quase dois anos.

O programa “Na Carona” veio quando eu já tinha rodado o mundo com a mochila nas costas, experimentando o ócio em várias línguas. Embarquei fundo na viagem da Bahia que não conhece a Bahia. Certa disso, fui me deparando com a certeza de que viajar é a única certeza. E o tempo, o único Deus acima de qualquer suspeita. Garota rodada, me vi parte de uma geração na qual ócio e trabalho não são mais antagônicos. Me permito o ócio diário com culpa zero.

Sou do tipo que adora se perder na estrada e considera todo desvio um exercício antropológico. Nesse meu ócio produtivo, levo na bagagem bons livros, mapas (oficiais e os rabiscados pelos locais), uma câmera digital que filma e faz foto, travesseiro, toca mp3, dois celulares (para garantir alguma operadora operante), enfim, um kit sobrevivência que me permita não voltar. Se der vontade, desligo tudo e fico no mato, pulando sapo.

Até a próxima bipada. Aí volto a Salvador, que será sempre meu lugar, beijo mainha e painho, deito na minha cama, me atualizo da última balada da cidade Pega/Borracharia/Galpão/Zanzibar e... Já torta de saudade da estrada, vibro mesmo quando meu celular toca com prefixo 73, 75, 77... Deve ser algum convite para mais um ócio produtivo. Você tá pronta pra viajar? Como diria Marcelo — um amigo que acredita em duende, caipora e Hombres Sinceros — eu nasci pronta.

*Liliane Reis é jornalista e apresentadora de televisão

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